22 de março de 2015

Outras cozinhas





Em Évora, o Fialho

Nem sempre, quando se volta a Évora, se vai comer ao Fialho. Mas é indispensável regressar de vez em quando ao Fialho. Em tempo de glórias efémeras e famas transitórias precisamos muito de ter algum sinal visível, e neste caso também degustável, de que o mundo não começou hoje como muita gente hoje parece acreditar.


O Fialho, fundado vai para setenta anos, é uma âncora. Não é o único restaurante desta região e desta área da gastronomia que merece distinção, mas é certamente o mais vetusto, o mais simbólico e com mais aptidão ritualística. Não por acaso, José Quitério diversas vezes lhe chamou «catedral».

O Fialho está ali, na Travessa dos Mascarenhas, como se lá estivesse desde o princípio dos tempos, numa era lustral da Civilização em que as mesas ostentavam já alvas toalhas de bom pano e amplos guardanapos da mesma matéria-prima, e em que a simplicidade é um luxo tangível. E não é dizer pouco. A sala principal continua a ser uma sala familiar. Os empregados movem-se com total discrição, surgindo do nada apenas quando necessários para manter a ordem prandial – o asseio visual da mesa, o vinho nos copos – com gestos em que a simpatia, sempre presente, se traduz sobretudo em eficácia.

O culto praticado nesta catedral é o da cozinha tradicional alentejana. Não se esperem impróprios impulsos de imaginação. O Sr. Gabriel Fialho, filho do fundador e responsável pela cozinha, não é um heresiarca da inovação. É, como devem ser os sacerdotes, um zelador do templo e um mediador, neste caso, entre o palato do comensal e a esfera dos sabores divinos. Espere-se, sim, a impecabilidade da confecção, a qualidade das matérias-primas, o requinte dos detalhes.

As entradas – impossível provar de tudo, para não arruinar o almoço – escolhidas foram o presunto ibérico, bom embora um nada seco, a salada de pimentos, magnífica, e o bom queijo de ovelha. O pão cumpre. Os pratos eleitos foram medalhões de porco com puré de maçã – a opulência da carne redime inteiramente o prato de qualquer acusação de vulgaridade – e perdiz de escabeche, um hino ao equilíbrio entre a textura da carne e ao tempero sábio, na justa conta, sem que a quantidade pródiga provoque fadiga (as batatas fritas em rodelas do acompanhamento estavam bem fritas e estaladiças). À sobremesa – encharcada, sericá e leite-creme – nihil obstat.

A carta de vinhos do Fialho é muito rica. Escolheu-se um vinho a condizer com o restaurante, uma vinho que não varia muito na qualidade, mas que se mantém sempre num patamar elevado: Quinta do Mouro. Colheita de 2006, 14%. A idade mostrou ser gastronomicamente vantajosa, pondo em evidência o Aragonês nas notas mais silvestres, mas bem caldeado no conjunto, carregado na cor, sólido na estrutura, temperada pelo tempo, elegante e com bom final. A comensal mais pequena, provadora inveterada, aprovou sem margem para dúvidas.



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