A minha vizinha de cima é uma presença incondicional das
reuniões de pais. Com três filhos, não falha nenhuma, o que significa que
durante o ano tem períodos de verdadeiro frenesim. E não vai apenas ouvir. É
uma previsível participante.
Mas aqui é que a porca torce o rabo.
A sua opinião dos professores é dupla e contraditória.
Por um lado, são professores, e ela é da velha escola do respeitinho. Por
outro, alimenta uma permanente desconfiança acerca deles. (E o melhor seria
dizer delas, pois a maioria são
mulheres, género por que nutre um inexprimível rancor). Não por colocar em
causa a sua sabedoria, ou a falta dela, ou a boa, má (ou nenhuma) pedagogia
deste ou daquele. Não. Ela procede a uma vasta investigação sobre cada um
deles.
Veterana das escolas, tem os seus circuitos para tirar
nabos da púcara: se são solteiras, casadas ou divorciadas, se têm filhos, que
tiques reveladores manifestam, qual a sua situação social, se fumam ou não
fumam, que carro têm e onde moram. Se têm facebook, manda os filhos pedirem
amizade e fica na grande expectativa de ver o que aparece. E aparece cada
coisa!
Vai somando os factores, cuja ordem é como se sabe
arbitrária quando se trata da adição.
Analisa-lhes as roupas e tira as suas conclusões. Analisa-lhes
o olhar, a fisionomia, as reacções, o modo como se sentem ou como andam, e tira
as suas conclusões.
Durante as reuniões de pais, apresenta o ar apagado do
cientista em pleno labor experimental, preparando toda a argumentação que há-de
usar quando tomar a palavra. E quando toma a palavra é sempre assustadoramente
reverencial. Oleosamente corroborante.
À saída, porém, chama invariavelmente a atenção para a
sua indignação com «o que se passa». E faz notar, em volta, os seus triunfos
argumentativos. E, claro, também os seus trunfos interpretativos.
É desta massa que se faz a sua resignação.
A minha vizinha de cima também é presença assídua no
centro de saúde. Tremem, sempre que a vêem entrar.
Jorge Colaço
(convidado deste blog)
* Qualquer semelhança das personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência.
Sem comentários:
Enviar um comentário