27 de janeiro de 2014

A minha vizinha de cima* – crónicas 9

A minha vizinha de cima é uma presença incondicional das reuniões de pais. Com três filhos, não falha nenhuma, o que significa que durante o ano tem períodos de verdadeiro frenesim. E não vai apenas ouvir. É uma previsível participante.

Mas aqui é que a porca torce o rabo.

A sua opinião dos professores é dupla e contraditória. Por um lado, são professores, e ela é da velha escola do respeitinho. Por outro, alimenta uma permanente desconfiança acerca deles. (E o melhor seria dizer delas, pois a maioria são mulheres, género por que nutre um inexprimível rancor). Não por colocar em causa a sua sabedoria, ou a falta dela, ou a boa, má (ou nenhuma) pedagogia deste ou daquele. Não. Ela procede a uma vasta investigação sobre cada um deles.

Veterana das escolas, tem os seus circuitos para tirar nabos da púcara: se são solteiras, casadas ou divorciadas, se têm filhos, que tiques reveladores manifestam, qual a sua situação social, se fumam ou não fumam, que carro têm e onde moram. Se têm facebook, manda os filhos pedirem amizade e fica na grande expectativa de ver o que aparece. E aparece cada coisa!

Vai somando os factores, cuja ordem é como se sabe arbitrária quando se trata da adição.

Analisa-lhes as roupas e tira as suas conclusões. Analisa-lhes o olhar, a fisionomia, as reacções, o modo como se sentem ou como andam, e tira as suas conclusões.

Durante as reuniões de pais, apresenta o ar apagado do cientista em pleno labor experimental, preparando toda a argumentação que há-de usar quando tomar a palavra. E quando toma a palavra é sempre assustadoramente reverencial. Oleosamente corroborante.

À saída, porém, chama invariavelmente a atenção para a sua indignação com «o que se passa». E faz notar, em volta, os seus triunfos argumentativos. E, claro, também os seus trunfos interpretativos.

É desta massa que se faz a sua resignação.


A minha vizinha de cima também é presença assídua no centro de saúde. Tremem, sempre que a vêem entrar.



Jorge Colaço
(convidado deste blog)

* Qualquer semelhança das personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência. 

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