A minha vizinha de cima não usa saias.
Tem passado a vida a tentar fixar-se num modelo de
classe média-média tolhida nas aspirações pelo preceituário do estrato
imediatamente abaixo: recato, afã, honorabilidade merceeira, respeitabilidade
vicinal.
Vislumbrou um mundo mais largo no emprego,
após um curso de tecto baixo. Casou. O marido tinha, e continua a ter, uma
situação mais ou menos, sempre num trânsito lento do menos para o mais. Teve um
filho e duas filhas. Alegrias breves, a que se dedica inteira e quase
postumamente.
Enresinou com o passar do tempo. Apurou o
sussurro entre portas. Revestiu-se de uma discrição sacerdotal, que gere em
apertada contabilidade de deves e haveres. Entre dois lanços de escadas, o
sopro da sua opinião ganha força oracular e só não iguala o sibilar clássico
por sucumbir com frequência à fraqueza de se interessar em demasia pela
realização dos seus vaticínios. Tem venetas e ressabiamentos. Remedeia-se num
ou noutro consumo mais lustroso. Continua a tentar desenhar ambições, mas não tem
jeito nenhum para o desenho. Não tem cinquenta anos.
A sua moral sexual é igual à de um dirigente
comunista da velha guarda.
* Qualquer semelhança das personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência.
Jorge Colaço
(convidado deste blog)
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