16 de março de 2013

A minha vizinha de cima* - crónicas 3


A minha vizinha de cima não usa saias.

Tem passado a vida a tentar fixar-se num modelo de classe média-média tolhida nas aspirações pelo preceituário do estrato imediatamente abaixo: recato, afã, honorabilidade merceeira, respeitabilidade vicinal.

Vislumbrou um mundo mais largo no emprego, após um curso de tecto baixo. Casou. O marido tinha, e continua a ter, uma situação mais ou menos, sempre num trânsito lento do menos para o mais. Teve um filho e duas filhas. Alegrias breves, a que se dedica inteira e quase postumamente.

Enresinou com o passar do tempo. Apurou o sussurro entre portas. Revestiu-se de uma discrição sacerdotal, que gere em apertada contabilidade de deves e haveres. Entre dois lanços de escadas, o sopro da sua opinião ganha força oracular e só não iguala o sibilar clássico por sucumbir com frequência à fraqueza de se interessar em demasia pela realização dos seus vaticínios. Tem venetas e ressabiamentos. Remedeia-se num ou noutro consumo mais lustroso. Continua a tentar desenhar ambições, mas não tem jeito nenhum para o desenho. Não tem cinquenta anos.

A sua moral sexual é igual à de um dirigente comunista da velha guarda.



Jorge Colaço
(convidado deste blog)

* Qualquer semelhança das personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência. 

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