27 de fevereiro de 2013

A minha vizinha de cima* - crónicas 1


Todos os vizinhos de cima arrastam coisas com frequência perturbadora e a horas pouco cristãs. Toda a gente sabe que os vizinhos de cima não andam, marcham. E que falam muito alto. E que insistem em que ouçamos os seus programas de televisão preferidos e as músicas da rádio que são o seu verdadeiro retrato.


A minha vizinha de cima não é excepção. Mas tem peculiaridades.


Tem o fétiche das cadeiras. Arrasta cadeiras com o desespero com que os náufragos se precipitam para as bóias de salvação. Arrasta cadeiras compulsivamente. O arrastamento tem diferentes intensidades, variando entre o pequeno arrastamento espasmódico e o longo e agudo arrastamento. Mas o mais curioso é que os arrastamentos se realizam num ritmo regular durante todo o dia, embora com picos de intensidade relativamente fáceis de situar.

O dia da minha vizinha de cima é uma sucessão de arrastamentos, pequenos e grandes. São dias cheios.

A mim, o que me incomoda, mais do que o ruído e a subsequente irritação, é que a ela esse mesmo ruído não incomode. O que faz com que a irritante idiossincrasia da minha vizinha de cima se torne uma inquietante questão civilizacional.

Jorge Colaço
(convidado deste blog)

* Qualquer semelhança das personagens destas crónicas com pessoas existentes é pura coincidência.

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